22 agosto 2007

Pagando bem, que mal tem?

A coluna de hoje, na Casa do Galo:

Em nota de ontem, do Blue Bus, soube que o governo pretende meter o bedelho mais uma vez na publicidade. A bola da vez agora é o merchandising na televisão, principalmente nas novelas. Segundo o procurador da república, Fernando de Almeida Martins, integrante do grupo que irá escrever uma recomendação as emissoras de TV, “o merchadising dissimulado na programação ou em cenas de novelas é uma prática ilegal”. Parece-me que ele leu o artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, que diz que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Almeida Martins afirma ainda que - “A lei não diz que o merchandising é proibido, mas tem de haver algum alerta de que se trata de publicidade”.

Oras, é obvio que é merchan. O ator vai lá e mostra: olha que absurdo esse celular da Shabrabous, tem 50 GB de memória, câmera com zoom até a lua e cafeteira portátil. Puxa, será que o autor da novela enxerga alguma poesia em falar de megapixels e zoom óptico? Por favor, não idiotizem mais o povo do que ele já o é. Claro que existe uma boa parcela da população que é alienada em relação a uma série de coisas que passam a sua volta (tem muita gente que não faz a mínima idéia de quem seja o presidente do Brasil. E olha que é o Companheiro, ein!), mas não é a maioria. O povo precisa de pão e circo, mas boa parte dele sabe escolher entre o pão de centeio e o francês.

As emissoras de TV não pretendem se pronunciar até receber uma notificação oficial. O que, se realmente acontecer, pode garfar um faturamento de até R$ 40 milhões. É uma dinheirama que deixaria de entrar. Só a Rede Globo paga todo o seu custo de produção com esta receita. Mas ai eu exijo que limitem então a propaganda nos filmes que eu assisto no Cinemark. Já viram Transformers? A fita parece um comercial de duas horas da GM. Um capitulo de novela tem 40 minutinhos e o produto não aparece nem em um mísero minuto.

Tanta coisa bem mais importante para se preocupar e os procuradores estão procurando o que fazer. Por que vocês não procuram construir mais universidades públicas? Ou que tal oferecer maiores condições para que a nossa economia cresça? Ou mesmo combater a corrupção no senado?

Não vejo problema algum em se anunciar um produto durante a programação. Quem quiser que mude de canal.

15 agosto 2007

Atenção para o toque de cinco segundos

Dando continuidade ao que o Rafael tratou ontem, e o que eu já contei há algum tempo aqui, quero falar hoje um pouco sobre o que a publicidade representa aos não-iniciados nela (leia-se: quem não é publicitário).

Podemos achar um anúncio sensacional, de uma direção de arte que é um primor, um slogan matador, mas, como dizia um professor da faculdade: ganha prêmio mas não vende uma geladeira. É um fato. Podemos morrer de paixão, sentir ciúmes e o diabo a quatro. Se o anúncio não conversar com o seu público, um abraço meu amigo. Vira motivo de chacota e piadinha na pior das hipóteses. Na melhor, ninguém presta atenção.

Posso mostrar um exemplo clássico. Quem ai já deu de cara com algum outdoor ou anúncio do Guaraná Dolly? Aquele mesmo “Dolly, Dolly Guaraná Dolly”.

Ok, o jingle virou musiquinha pejorativa (engole, engole guaraná…) e a direção de arte é pra lá de duvidosa, mas ele fala muito bem com o consumidor-alvo: comunicação simples e direta e vez ou outra alguma neo-estrela recém saida de algum reality show. Já ouvi dizer que quem cria os anúncios é o próprio dono da Dolly. Também, nessa mesma linha, temos o quase que mítico, “Quer Pagar Quanto?”, das Casas Bahia (o maior anunciante da TV brasileira. E adivinhem de quem é a conta - ele mesmo, Roberto “O Topete Inabalável” Justus) que gerou até processo por parte de um consumidor que levou muito a sério o que o comercial dizia.

Uma coisa é certa. Propaganda, anúncio, comercial, reclame, filme de 30″, chame do que você quiser, é chato por natureza. Cabe a nós publicitários fazer com que fique legal. O problema é quando fica legal demais e vira um dramalhão mexicano. O que vale aqui é o bom senso. E também aquela velha conversa: pergunta pro velhinho no ônibus o que ele acha de comercial tal, mostra o seu anúncio para a tia da kombi, pro vendedor de hot dog. E por ai vai. São essas as pessoas que vão dar o voto de minerva no seu tão precioso anúncio. Muitas vezes você vai achar que todos eles estão malucos, que não entendem nada de propaganda, que lhes falta senso estético. Oras, e nem devem ter nada disso, afinal, quem deve que ter isso de sobra é você! O que lhes resta é o senso crítico. E é esse que fará você evoluir profissionalmente.

Notinha nada a ver com o assunto

O São Paulo Futebol Clube foi campeão do 1º turno do Campeonato Brasileiro 2007. Levou o troféu Osmar Santos, concedido pelo jornal Lance! Um dado interessante, é que todo o time campeão do 1º turno, desde que o sistema de pontos corridos passou a valer no Campeonato, foi o vencedor do torneio. Acho que o Tricolor caminha para um Pentacampeonato sem asteriscos.

Um Abraços e até a semana que vem!

Happiness Factory - The Movie



Continuação do file da Coca-Cola que mostrava a vending machine e o seu mundo particular. Um dos comerciais mais legais que já assisti

Abaixo, o primeiro, não menos sensacional:

08 agosto 2007

Fuck the Fashion

A coluna de hoje, na Casa do Galo:

Qual a importância da moda para você? E qual a importância da moda para a publicidade? A resposta deveria ser “muita”, ou, “toda”.

null

Esse mercado que movimenta bilhões (de reais, dólares, euros) depende muito do mercado publicitário. E a recíproca é a mesma. Um dia você ainda vai trabalhar com moda, mesmo que indiretamente. Ela está presente em quase tudo - do jeans que você usa a revista que você lê, do restaurante preferido ao blog mais acessado.

Moda não se faz somente de garotas magrelas (essas, no caso, nem tanto) desfilando a última tendência da estação. Ela envolve produtores de eventos, patrocinadores interessados em associar a sua imagem, agências, fotógrafos, designers, jornalistas e uma infinidade de outros profissionais que não consigo me lembrar. Quem ai já assistiu O Diabo veste Prada? Em uma cena que a tirânica Miranda quase massacra a sua mais nova assistente por ter falado que o vestido que a modelo usava era só mais um vestido, ela da uma aula sobre o que significa a moda e como ela influencia até as lojas de roupas mais populares. Por isso, se o seu amigo ou amiga disser que a moda não é tudo isso, peça para ele(a) alugar o filme.

E você se preocupou com a moda na última vez que foi mostrar a sua pasta em alguma agência ou participou de uma dinâmica de grupo? Um terno bem cortado ou um blazer do momento podem fazer a diferença sim (é claro que um cerébro conta mais), na hora de se conseguir um emprego. Ou você vai pedir emprego para o Roberto Justus de minisaia e barriguinha de fora? Não que haja alguma regra para isso, mas é importante observar que se a pessoa que for te avaliar tiver um mínimo senso estético (e na publicidade isso é muito importante), o seu jeito de se vestir pode contar uns pontinhos lá no final.

Mas vocês insistem: - Marquito, você tá de frescura meo. Fui na agência mostrar a minha pasta de camiseta do Judas Priest, jeans rasgadão e chinelo de dedo. Ok, ninguém falou que não seria contratado, mas com certeza, se houver alguém com o mesmo potêncial que o seu, e esse alguém se preocupou em fazer a barba e colocar a melhor roupa dele, ele estará a sua frente, pois demonstrou uma preocupação a mais que você.

Mesmo não sendo o mais indicado para isso, ai vão alguns sites bacanas sobre moda:

Dased&Confused; Complex; GQ; VIP; Chic; Vogue Paris; In Style; Estilo

A principal questão que quero levantar aqui não é a maneira como deve-se vestir no seu dia-a-dia, mesmo por que não devemos seguir moda nenhuma a não ser a nossa (se ficar na estica, é melhor né?) mas sim a consciência em relação a moda, que pode fazer parte do futuro profissional de qualquer um aqui. Acredito que a grande maioria que acompanha a Casa do Galo já tenha essa consciência.

Aqui na Editora Abril existe uma liberdade muito grande em relação ao vestuario. Já vi gente com bermuda do pijama (juro!) e boina do Ché Guevara e outros com terno Armani. Mas isso por que o clima da empresa permite. Muitas outras nunca permitiriam um chinelo de dedo que fosse. O importante é ficar bem com você mesmo, mas sem avacalhar.

Um abraço e até a semana que vem!

07 agosto 2007

Linhares e sua turma

06 agosto 2007

Diário

Reproduzo aqui um artigo da revista Piauí desse mês. Um pouquinho da paranóia que rola na gringa por causa de uma meia dúzia que resolveu se explodir.


diário

À disposição de sua magestade


Depois de um vôo de pesadelo, no qual o uísque, o vinho e o remédio contra a Aids me levaram a gritar palavras vulgares, fui atirado num calabouço vitoriano, na companhia de traficantes e estupradores

por
Peter Kurth


Estas notas fazem parte de um diário que escrevi enquanto estive encarcerado, em dezembro e janeiro, na Prisão de Sua Majestade de Wormwood Scrubs, em Londres. Eu jamais havia pisado em uma cadeia. Fui preso por uma combinação de forças incontroláveis. Primeiro, por minha própria teimosia falastrona, que já me causou outros problemas na vida. Segundo, por causa de uma comissária de bordo, provavelmente exausta e desprovida de qualquer senso de humor. Terceiro, pela tensão que se tornou viajar de avião depois das ameaças, reais e imaginárias, promovidas pela “guerra contra o terror”.


No dia 6 de dezembro passado, no aeroporto JFK em Nova York, embarquei num vôo da British Airways para uma viagem de quatro dias de trabalho em Londres. Como o meu passaporte iria expirar em sete dias, planejei estar de volta antes disso. Não sabia – ou havia esquecido – que, para entrar na Grã-Bretanha, a lei exige do viajante um passaporte válido por seis meses.

Era quase meia-noite quando embarcamos. Eu já havia tomado umas doses de uísque escocês durante meu jantar, num desses bares impessoais de aeroporto. Tudo poderia ter corrido bem se: a) depois de mais ou menos uma hora de vôo, eu não tivesse notado o sumiço do meu laptop; e b) tivessem me colocado num assento confortável, e não num claustro feito para provocar coágulos nas minhas pernas. Há décadas sou soropositivo e tenho neuropatia periférica nas duas pernas, o que me impede de ficar sentado, sem me mexer, por mais de seis horas.

Sim, eu deveria ter avisado a companhia sobre minha condição. Mas revelar-se soropositivo é algo que não se costuma fazer em voz alta, muito menos na frente de 400 pessoas. Outra coisa que nem me passou pela cabeça é que um dos remédios que tomo — o ritonavir — e que faz parte do coquetel anti-AIDS, pudesse potencializar de maneira incontrolável os efeitos do álcool no organismo. A combinação remédio, uísque e mais uma garrafa de vinho a 10 mil metros de altitude se mostrou incontrolável.

Eis os meus pecados: sim, houve uma discussão acalorada quando os comissários se negaram a passar um rádio para o aeroporto para saber sobre o meu laptop, e também quando se recusaram a me trocar de assento. Gritei palavras vulgares. Muito vulgares, admito.

Fui me sentar no fundo do avião, numa área mais ou menos desimpedida, onde ficam guardados os escorregadores de borracha usados numa emergência. A vida inteira vi passageiros repousando o traseiro naquele setor. Mas os tempos mudaram, e hoje sentar-se ali equivale a “pôr a aeronave em risco”, um crime da mais alta gravidade segundo as novas leis antiterrorismo. Coisa que dá no mínimo dois anos de cadeia. Eles me falaram tudo isso, mas não me mexi do lugar.

Na manhã seguinte, quando pousamos no aeroporto de Heathrow, desci do avião escoltado por dois policiais londrinos — não bobbies tradicionais, com seus capacetes engraçados, mas dois sujeitos vestidos à moda da SWAT. Levaram-me diretamente para a delegacia de polícia de um bairro sombrio a oeste de Londres. Depois de ser advertido e formalmente interrogado na frente de um defensor público, percebi que a coisa iria longe. Meu passaporte se tornara “suspeito” e a compra da passagem na última hora, para não falar da história do lugar no avião, fez com que eu me tornasse uma espécie de jihadista clandestino.

Depois de um dia e uma noite inteiros de isolamento, fui levado a um tribunal, onde me acusaram de “pôr a aeronave em risco” , além de algo semelhante a “mau comportamento”. Quer dizer que eu não sabia que a “agressão verbal” era um crime na Grã-Bretanha?, perguntou-me um policial. Eu não sabia. E que são as leis britânicas que valem a bordo de um avião britânico? Não, eu não sabia. Na mesma noite, fui transferido para a prisão.

Escrevi muito mais que está sendo publicado aqui. Uma coisa que não vai aparecer é a atividade sexual na prisão, que é mais ou menos constante, brutal e de curta duração. Na medida em que sou “assumidamente gay”, isso se mostrava ainda mais complicado. A lei velada da prisão é que tudo fique em segredo, e que alguém abertamente homossexual será surrado com violência. Isso exigiu que eu voltasse a esconder que era gay, pela primeira vez em muitos anos, enquanto me submetia, calado, aos caprichos dos valentões.

Agora, meses depois do ocorrido, vejo-me tentado a fazer troça da experiência. Mas a verdade é que ela foi degradante, desumanizadora, debilitante, aterrorizante, ruinosa e, no fim das contas, altamente nociva à minha saúde física e mental.

TERÇA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO Primeiro dia inteiro aqui. Ainda não recebi os remédios para o HIV, o que é minha maior preocupação. Tento não me preocupar com a família, pois não há o que eu possa fazer. Procuro não encarar ninguém nem olhar de maneira “errada” (embora não dê para saber muito bem o que é isso). Amanhã, banho — o primeiro da semana. Estou fedendo. Não se tem idéia do valor do cigarro, até se entrar aqui. As pessoas aceitam trocar qualquer coisa por cigarros. Dei cigarros demais num primeiro momento. Acho que vou ter de largar o fumo — mas como, neste lugar? Faz uma semana que não leio jornal algum, só vejo televisão. Meu companheiro de cela, Mick, não consegue ficar parado. Muda de canal o tempo todo, toma incontáveis xícaras de chá e defeca muito na privada aberta, que só tem um lençol pendurado na frente. Estou rezando, literalmente, para acalmar o espírito. Tento ficar calmo, me esforço, me comporto bem.

QUINTA-FEIRA Médico hoje. Entre os quatro que me atenderam, esse foi o primeiro que me pareceu decente e competente. Aparentemente, a polícia escreveu “contagioso” na minha ficha. Os carcereiros disseram que devo manter isso em segredo. Se alguém perguntar sobre os comprimidos, respondo que são para pressão alta ou colesterol ou as duas coisas. Anoto alguns itens de agradecimento:

1) A prisão me livra do Natal e do Ano Novo (e, pelo jeito, da Páscoa)

2) Alívio temporário mas substancial das minhas preocupações financeiras

3) Tempo de sobra para escrever

4) Tempo de sobra para pensar

5) Tempo de sobra para ler

6) Tempo de sobra para dormir

7) Excelente material

8) Formação do caráter — você é um homem ou um rato?

9) Eis-me afastado dos rituais e da rotina — só o que existe aqui é real

10) Pode haver mais, mas não sei o que será.

SÁBADO Mick foi embora hoje de manhã. Achei que iria passar o dia sozinho, mas chegou uma funcionária da embaixada americana. Assino um documento proibindo que qualquer informação sobre o meu caso seja passada à imprensa. E autorizo que a delegação americana no Congresso seja informada de todos os passos. Também me chegam papéis para a renovação do passaporte, mas vai ser impossível preenchê-los direito. Não tenho como tirar fotos aqui nem sei o número do passaporte expirado, que ficou na “recepção” da prisão. Sou transferido para a Ala C.

SEGUNDA-FEIRA Leio Código da Vinci. Que diabo de livro é esse? Como foi que chegou a fazer um sucesso gigantesco? Ele é rasteiro. Não há momento de tensão ou dúvida quanto ao final da história. Mas, antes do livro, eu jamais diria que o Santo Graal pudesse ser a vagina de Maria Madalena.

TERÇA-FEIRA Tenho um novo companheiro de cela cujo apelido é Stanton. Ele fazia parte de uma gangue e foi preso por “conspiração para furto”. Tem 25 anos, é bombado, preto e muçulmano. Trouxe um verdadeiro carregamento de sacolas com comida, roupas, aparelhos eletrônicos, o diabo a quatro. Ele é limpo. Muito. Esfrega tudo com papel higiênico antes de tocar. Nós dois dormimos bem. Acho que estou começando a pegar o jeito da coisa.

Ficou claro que não tenho o menor interesse em não fumar. Quando saio para os meus “tratamentos” médicos, de manhã, me surpreendo percorrendo o chão com os olhos, à procura de bitucas. De vez em quando, alguém me dá um pacote de tabaco, sem o papel para enrolar. Ou me dão os papéis sem o tabaco, esperando que eu cate as bitucas do chão e faça cigarros “novos”.

Discussão com Stanton . Desconfio que seja muçulmano só por protesto. Mas ele tem um tapete para as orações, e reza sempre. Há cartazes pregados em cada piso da penitenciária com setas apontando para Meca. Stanton começa logo dizendo que a democracia é incompatível com o Islã. “Tudo no Islã é estruturado de uma vez por todas – existe um Deus e nada mais é necessário. Ninguém precisa de intermediários. Como é que Deus pode ter um filho? Se fosse assim, também pode ter um tio ou uma tia, não é?” pergunta ele.

Conto que meu pai se converteu e que a atual mulher dele, Najat, é marroquina. As filhas do casal, minhas meio-irmãs, seguem a religião muçulmana. Stanton fica bastante impressionado, acho que marquei um ponto. Ele compreende perfeitamente a estrutura familiar do meu pai quando explico que é Najat quem manda na casa. Acrescenta que todo homem precisa casar, pois do contrário “tudo é tentação”.

Falamos sobre televisão. Também nela “tudo é tentação”, com todas essas mulheres gostosas rebolando”. Isso soa muito estranho vindo de um criminoso que também é cafetão. Só que Stanton não se considera um pecador, no sentido cristão do termo, e sim alguém que foi induzido a pecar. Não existe pecado original no Islã, só a tentação. Stanton explica: “Um dia você vai se apresentar diante de Alá, Ele vai lhe fazer perguntas e é melhor você ter boas respostas, porque quem pecou não foi Ele, foi você”.

QUINTA-FEIRA Dia triste, triste, triste — deprimido — último (meio) cigarro já fumado. Stanton comenta que a prisão o deixa “furioso e violento”. Acrescenta: “Na verdade, eu não sou assim. Mas essa merda me deixa furioso. A prisão derrete a sua cabeça. Fico com vontade de matar alguém”.

SÁBADO Stanton foi embora. Para o lugar dele, veio o Phil. Ele deve ter a minha idade, um pouco mais, talvez, e lhe disseram que o colocariam na cela comigo porque somos “os dois inteligentes”, e estamos presos pela primeira vez, “o que faz com que possamos nos dar bem”. Phil é um sul-africano branco, preso por tráfico internacional de drogas — uma quantidade considerável de cocaína — que trouxe de Boston via Trinidad. Recebeu a droga em Caracas e diz que implorou a “eles” (o cartel) para não fazer a escala em Trinidad, o que seria (e foi) uma bandeira para a alfândega de Heathrow. Phil está realmente encrencado, pode pegar até dez anos.

Meu pedido para trabalhar na prisão foi bem recebido. Devo dar aula para analfabetos, escrever para a revista da prisão, ajudar nas aulas de composição literária e de inglês para estrangeiros. Uma das professoras me perguntou quanto tempo eu ia passar “aqui dentro”. Quando respondi que não sabia, ela me disse: “Bem, com a sua qualificação e a minha sorte, deve estar fora daqui dentro de três dias”. Duvido muito. A pilha de documentos que me foi enviada hoje de manhã pelo defensor público era assustadora em termos de volume e duração potencial da sentença – dois anos – caso insistam na acusação de “pôr a aeronave em perigo”. Melhor não pensar a respeito.

DOMINGO Véspera de Natal. Não sinto A MENOR emoção com relação ao Natal. Quero que chegue o fim do dia e que eu fique longe desses corais e sermões reciclados sobre “paz”. Curiosamente, não permitem visitas na véspera e no dia seguinte ao Natal. Mas acho que iria mesmo perturbar todo mundo. Elizabeth, minha sobrinha, mandou-me um cartão, dizendo: ‘Ei, Tio Pete, espero que este Natal seja melhor do que a maioria dos outros para você’. Minha mãe também mandou um, tentando transparecer calma, mas sei que ela não está calma.

SEGUNDA-FEIRA Dia de Natal. Um presente de Natal de fulano? Nunca aprendi o nome dele. É um iraniano doido, que fica sozinho na cela. Usa uma dessas versões muçulmanas do kipá. Enquanto espero meus remédios, ele me vê pescando as bitucas do chão. “Não, não, espere!” grita. Aparentemente, quer me dar um pouco de tabaco, sem cobrar nada, mas a porta da sua cela está trancada. Ele embrulha um pouco do fumo em papel higiênico e o passa por debaixo da porta. Falo que vou pagar e ele diz que é um presente. Ele quer saber como vim parar aqui (isso tudo falávamos gritando). Quando conto, ele não acredita. Mais tarde o encontro no pátio, conversando em farsi com uns amigos e chutando latas. De repente, ele grita: “Ei, América! Homem de Nova York! Da próxima vez, melhor explodir a porra do avião. Não puxe a faca, se depois não quiser guardá-la coberta de sangue”. Ele me chama de “Bush” e todo mundo ri. Quando aceno com a mão, ele berra: “Não sou talibã!”.

TERÇA-FEIRA Passei por uma experiência perigosa e assustadora na cela de Jack, o prisioneiro a quem eu devia estar dando aulas. Fui conferir se ele tinha avançado na leitura quando um desconhecido pulou do beliche de cima em cima de mim. Ele me imprensa na parede e grita que fui lá para roubar. De repente, Jack sai do banheiro e... como dizê-lo?... os dois se revezam. Estou tonto, imprensado contra a parede, mas o que posso fazer? Naquela ala, eles são poderosos, têm privilégios especiais. Eles me avisam que dali por diante eu “pertenço” a eles.

Fiquei com medo de verdade — este lugar passou a me parecer muito hostil de uma hora para outra. No jantar, o parceiro de Jack faz questão de me olhar com ódio e passar o dedo de um lado ao outro da garganta. Conversei com uma das carcereiras. Omiti a parte do “revezamento”, mas disse que estava sendo ameaçado. Ela disse que ia “ter uma conversa com ele”, o que provavelmente vai piorar ainda mais as coisas, é claro.

QUINTA-FEIRA Hoje é o 60º aniversário de casamento dos meus pais. Estranhamente, dormi muito bem. De manhã, tentei cumprimentar meu inimigo. Ele se negou. Alguma coisa congelou dentro de mim. Lembrei do conselho da minha mãe, de sempre encarar os valentões: “Eles acabam recuando”. Acho que consegui transmitir a esse imbecil que, por mais poder que ele ache que tem na ala, eu tenho mais, ou posso mobilizar mais. Posso convocar a embaixada americana!

SÁBADO Morte (ou, melhor dizendo, assassinato) de Saddam Hussein. Difícil descrever o silêncio de hoje aqui — é sinistro. Duvido que alguém que entrevistasse algum preso muçulmano— supondo que lhe respondessem a verdade — encontrasse muitos “partidários de Saddam”. Mas o problema não é esse. É a maneira como a coisa foi feita, e em qual momento: na véspera do Eid al-Adha, mais um dos inumeráveis “dias mais santos do Islã”.

Panfletos foram distribuídos por toda a Ala C contendo instruções sobre os preparativos para o dia santo. Cito algumas: acorde cedo; prepare-se para a limpeza pessoal; vista-se usando as melhores roupas disponíveis, novas ou usadas, mas limpas; use Itr (perfume religioso); tome o café-da-manhã depois do sacrifício, se estiver fazendo sacrifício; use dois caminhos diferentes para ir e voltar do local das orações (os lados esquerdo e direito dos corredores).

QUARTA-FEIRA, 3 DE JANEIRO Ninguém apareceu para a visita. Eu aguardava os advogados, que ainda nunca vi. Quis o destino que o único outro detento chamado comigo para o lugar das visitas fosse logo Jack, o Estuprador. Ele me perguntou como eu estava, o que talvez seja um bom sinal. Passei duas horas e meia sentado, em vão, naquela sala horrenda de iluminação fluorescente. Jack saiu dizendo: “A coisa não vai nada bem. Os resultados do DNA chegaram”. Ele me contara que tinha sido preso por tráfico, e agora parecia que o tal “DNA” tinha a ver com vestígios de saliva, ou muco nasal, descobertos em algumas notas de 20 libras — coisa que podia acrescentar vários anos à sua sentença.

SEXTA-FEIRA Ida ao tribunal. Você é acordado às seis da manhã. Às vezes não dá tempo nem de escovar os dentes. É preciso levar todos os pertences — você nunca sabe se vai voltar para a mesma cela ou a mesma prisão. É claro que não se consegue dormir na noite anterior. Passa-se por uma revista completa, inclusive uma sonda anal. Parece que os carcereiros gostam especialmente dessa parte, não por motivos sexuais, mas pela completa humilhação que o exame provoca. Não consigo acreditar que alguém que não seja sádico possa ser carcereiro.

Não achava que a minha ida ao tribunal fosse para “confessar”. Mas foi isso que aconteceu. Admiti alguma coisa em troca de desistirem da acusação de “pôr a aeronave em perigo”. Será que eu admiti ter “perturbado a paz”? Ou ter “provocado tumulto”? “Linguagem imprópria?” “Agressão verbal a uma comissária de vôo?” “Embriaguez a bordo de aeronave?” Devia ser isso, embora não houvesse prova de que eu estivesse bêbado: não colheram meu sangue, não me obrigaram a soprar num bafômetro.

Bem, acabou, tudo resolvido. A multa é de 950 libras — duas vezes o preço da passagem aérea.

“Bem”, disse-me o defensor público, quando veio conversar comigo na cela da polícia, “Correu tudo muito bem, não foi?”

“Mas onde é que o senhor acha que eu vou arranjar 950 libras?”, perguntei.

“Ele me pareceu autenticamente espantado — “Ora, mas o senhor não precisa pagar!”

“Como assim?”

“O senhor pode pagar com tempo de prisão.”

“Quanto tempo?”

“Bem, não podem soltar ninguém nos fins de semana, então...” — contou nos dedos — “acho que sairá dentro de nove dias.”

SÁBADO Interessante, acho eu, mas não surpreendente, que assim que a data da liberdade é marcada, a mente volte a funcionar em alta rotação. Xiang, um jovem chinês que chorou no meu ombro no chuveiro numa das minhas primeiras manhãs aqui, me contou que está preso por tentar sair do Reino Unido, e não por viver ilegalmente no país. Estava em Londres havia três anos, e o problema foi que tentou sair do país com um passaporte falso. Está indignado e em desespero — diante de uma pena mínima de seis meses. “Se estão sempre reclamando da imigração ilegal, a coisa certa teria sido me deixarem ir embora para casa!”, disse-me.

Vi Xiang no chuveiro de novo hoje. Prefiro achar que ele tirou toda a roupa porque eu também tirei (a maioria dos prisioneiros não tira, e Xiang não tirou da primeira vez), mas afinal, quem toma banho de cueca? Os muçulmanos tomam. O pudor físico dos homens do Islã é um pouco exagerado, mas tem um elemento religioso. Percebo que muitos deles só estão querendo lavar as cuecas ao mesmo tempo que se ensaboam.

SEGUNDA-FEIRA Como acontece em todos os diários, depois de algum tempo, não tenho mais o que dizer. Penso em Nicolau II e em todos os tipos ingleses tradicionais, que são treinados para manter um journal intime desde a infância, tenham ou não assunto. E então, os relatos do pequeno Nicolau: “Tempo bom. Dois abaixo de zero. Atirei em 60 corvos. Mamãe no chá etc.”.

Um jovem muçulmano chamado Nasar, que pegou de seis a nove anos de prisão, começa a falar sobre o assunto de sempre – a jihad. “Você já viu algum nigeriano cometer um atentado suicida? Matar vocês, nenhum problema, mas não gostamos de nos matar. Vocês acham que somos imbecis?” Não tenho resposta. Ele conclui: “Bem, agora você já sabe como é ser preto”.

QUARTA-FEIRA Último dia em Wormwood Scrubs. Ontem houve uma fuga espetacular. Um “perpétuo” fingiu um ataque epiléptico e, quando a ambulância chegou para levá-lo até o hospital, a 400 metros daqui, um grupo mascarado e armado com fuzis AK-47 dominou os guardas. Aparentemente, é a terceira fuga dele, e agora sabemos por que nos mantiveram trancados ontem à noite.

Tudo está indo muito depressa.

Assino uma infinidade de formulários que me são trazidos por um monte de funcionários.

Hoje à noite, na sessão de tratamento para Aids, um homem de cabelos escuros, barba e olhos maravilhosos, me encara e diz: “Americano. Você é americano. Dá para dizer só de olhar para a sua cara”. Como nunca havíamos trocado uma palavra, não foi pelo meu sotaque que ele descobriu. Respondi em alemão: “Na, Mensch, Du bist verrückt!” E ele rebate: “Ora, deixe disso, você é americano, eu sei perfeitamente”. Eu digo: “Bom, sou, então — e você? O que está fazendo aqui? Esperando por remédios? De que tipo?” Longa pausa. E então ele me diz: “Seu inimigo. Eu sou o seu inimigo”. Esqueci todo o alemão e respondi em voz muito alta: “Não o meu inimigo! Meu, não!” E ele: “Então sou inimigo do seu país. Sou iraniano”. Eu continuo exaltado: “Bem, pode ser, mas eu não tenho nada com isso — nada a ver!” Ele ri: “Ah, já o seu presidente Bush...”

Fico terrivelmente perturbado. E ele: “Brincadeira. O povo do Irã ama o povo americano. O povo da América ama o povo iraniano”. Retomo a história do casamento do meu pai com uma muçulmana: “O Islã está na minha família”. É impressionante o efeito que isso produz nos muçulmanos; um dia eu devia mesmo escrever sobre isso, a sério. Por enquanto, recebo meus remédios, ele recebe os dele, e não tornamos a nos ver.

Até ser solto em janeiro, só pude manter comunicação com o mundo exterior através do meu advogado e da embaixada americana. Fui parar numa prisão de Londres onde boa parte dos detentos é composta de negros e islâmicos. Uso o termo “negro” (“black”) à moda britânica, para designar qualquer pessoa de pele mais escura, e escolhi esse termo justamente porque ele reflete a atitude dominante nos dias de hoje no Reino Unido com relação aos “imigrantes” em geral e aos muçulmanos em particular. Um guarda da prisão chegou a me aconselhar a não mais dizer “Grã-Bretanha” (“Britain”). “Somos ingleses, galeses, escoceses, irlandeses e um monte de muçulmanos. Lembre-se disso”, disse ele.

02 agosto 2007

Going abroad + Notinha nada a ver com o assunto

A coluna de hoje, na Casa do Galo:

Bem amigos, como diria o Galvão, cá está a esperada (ou nem tanto) coluna pós-crise gástrica.

Essa semana dois grandes amigos e colegas de faculdade estão de partida para o exterior. Um, ou melhor, uma, vocês conhecem. É a Vanessa, que escreveria hoje por aqui. Ela está a caminho do Japão, para dar uma clareada na cachola. Como já falei para ela, não se comporte!

Durante esses últimos meses, várias pessoas que conheço e que estudaram comigo fizeram o mesmo. Parece um grande êxodo, uma marcha para o oeste. O que será que de tão legal têm o exterior? Brincadeiras a parte, acho muito legal isso. Para se mudar de mala e cuia para um país que você mal fala o idioma (ninguém aprende até falar no dia-a-dia), encarar trabalhos que aqui consideramos subempregos e sentir uma saudade de casa que não é desse mundo, têm que ter coragem. Confesso que tenho muita vontade de fazer exatamente o que eles fazem hoje. Só falta saber o que fazer. Por que acho que ir só para viajar, conhecer o país, umas belas férias bastariam.

A grande maioria vai estudar, seja para um curso de línguas ou para uma pós-graduação. A segunda opção é a que mais me agrada, além de ser um diferencial competitivo. Ir só para trabalhar e juntar uma grana é uma opção, mas dificilmente consegue-se um visto de permanência e, se você não tiver uma proposta de emprego para a sua área, só vai trabalhar nos já citados subempregos.

Os destinos mais procurados pelos estudantes costumam ser a Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, em função do inglês. Boa parte de meus amigos estão na terra dos Beatles. É uma cidade sensacional, comospolita até a unha, com bons lugares para se morar e muitos estudantes para trocar experiências. Só que é uma cidade bem cara para nós brasileiros. Para os estudantes de publicidade, os melhores lugares para dar continuidade ao curso são a própria Londres (considero a propaganda inglesa uma das melhores do mundo. O humor dos caras é imbatível), Itália (Milão, de preferência, para os diretores de arte. As escolas de design de lá são referência mundial) e Estados Unidos (boa parte das agências de publicidade que ditam as tendências da propaganda mundial estão por lá. A CP+B é um bom exemplo).

O que vale ressaltar aqui, é o que você vai fazer. Tenha um objetivo bem definido antes de ir, pois você nunca estará em sua casa, muitas vezes será tratado com lixo estrangeiro (acreditem, é mais comum do que vocês pensam) e pode querer voltar rapidinho. Persiga esse objetivo até o final. E volte com um belo curso, e quem sabe até alguma experiência profissional, na bagagem.

Vocês devem pensar: “pô, o cara nunca foi pra fora e vem com conversa para o meu lado?”. Pode até ser, mas como falei no começo, muitos amigos foram e já voltaram, e todos sempre contam a mesma coisa. Conselho de colunista amigo!

Alguns sites para começar a pensar:

www.STB.com.br

www.conexaoglobal.com

www.estudarnoexterior.com.br/



Notinha nada a ver com o assunto


Essa semana o cara que o nome é sinônimo de propaganda, anunciou que deixará a presidência de sua agência não menos famosa, a W/Brasil.

A atitude do Washington Olivetto é algo que temos de aplaudir. Deixar o comando de uma empresa que você criou é uma das atitudes mais difíceis do mundo corporativo, porém extremamente benéfica para o futuro da empresa. Agora ele passou a ser o “chairs-man”, uma brincadeira com a função de chairman das grandes empresas, participando mais ativamente dos processos criativos. Segura que vem coisa boa por ai.

Parabéns WO!